Summary: Akodon cursor Winge, 1887 (Rodentia, Sigmodontinae) é uma das dez espécies já descritas que ocorrem no território brasileiro (Bovincino et al., 2008) e está distribuída ao longo da encosta leste, do norte do Paraná até a Paraíba. Polimorfismos cariotípicos nessa espécie começaram a ser descritos na década de 70 (Yonenaga, 1972) e atualmente já existem 28 constituições cariotípicas distintas reportadas (Fagundes et al., 1998). No entanto, o valor taxonômico de A. cursor como uma única espécie começou a ser questionado quando dois agrupamentos monofiléticos foram recuperados em estudos moleculares, sendo um dos clados formado por exemplares com 2n=14/15 distribuídos a partir do sul da Bahia até o Paraná e o outro clado formado pela forma 2n=16 restrita a populações do nordeste, desde o norte de Minas Gerais até a Paraíba. Esse último agrupamento foi considerado pelos autores como uma nova espécie em recente processo de cladogênese, designada como A. aff. cursor (Riegger et al., 1995; Geise et al., 2001).
Nogueira e Fagundes (2008) recuperam a mesma dicotomia mas contradizem a proposta de divergência baseada no cariótipo. Esses autores propõem que tal distinção se baseia na distribuição geográfica das populações. Dados citogenéticos baseados em padrões de homologia cromossômica (Fagundes et al., 1997a; Ventura et al., 1999) também confirmam a hipótese de que as variáveis cariotípicas 2n=14, 15 e 16 refletem variações intraespecíficas dentro de uma só entidade taxonômica, A. cursor. De qualquer modo, a alta frequência de polimorfismos cariotípicos e, consequentemente, a ocorrência de tantos pares heteromórficos em um mesmo indivíduo é surpreendente, pois segundo a literatura (White, 1978), esperava-se que ocorresse redução da fertilidade dos indivíduos portadores dos rearranjos em heterozigose devido a problemas meióticos.
No entanto, estudos meióticos realizados por Yonenaga et al. (1975) em células de indivíduos com 2n=15 não mostraram diferenças significativas na frequência de células na metáfase II com n=7 e com n=8, sugerindo que não há comprometimento da segregação dos cromossomos durante a meiose e que, portanto, o rearranjo não traria prejuízos para a viabilidade dos indivíduos portadores do mesmo.
A. cursor também se destaca por apresentar híbridos intraespecíficos com a sua espécie-irmã A. montensis, naturais (Christoff, 1997; Fagundes et al., 1997b) e obtidos em cativeiro (Yonenaga et al., 1975). Todavia, após análise histológica dos testículos, Yonenaga et al. (1975) concluíram que tais híbridos eram estéreis. A ocorrência de híbridos naturais é possível porque essas duas espécies crípticas (Fagundes et al., 1997b; Geise et al., 2005) apresentam áreas de simpatria descritas para localidades de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e norte do Paraná (Fagundes e Nogueira, 2007). Apesar de serem indistinguíveis externamente, essas espécies são bem distintas do ponto de vista molecular (Rieger et al., 1995; Geise et al., 2001, Fagundes e Nogueira, 2007; Coyner et al., 2013) e cariotípico, sendo as formas 2n=24-26 relacionadas a A. montensis (Yonenaga et al., 1975; Fagundes et al., 1997b; Fagundes e Yonenaga-Yassuda, 1998). Recentemente, outras formas de distinção dessas espécies têm sido descritas: presença de vesícula biliar em A. cursor e ausência em A. montensis (Geise et al., 2004), menores dimensões craniométricas em A. montensis (Geise et al., 2005) e diferenciação medular dos pêlos (Silveira et al., 2013).
Dados da literatura envolvendo análises citogenéticas e moleculares indicam que há uma tendência à predominância da forma 2n=16 ao norte nos estados de Pernambuco e Paraíba e a maior frequência de indivíduos 2n= 14 nos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo ao sul, evidenciando-se que na região do Rio Jequitinhonha há uma quebra filogeográfica norte e sul (Fagundes et al. 1998; Geise et al. 2001; Nogueira-Massariol 2016; Maestri et al. 2016). Os indivíduos com 2n= 15, por sua vez, foram encontrados somente onde existem as formas 2n= 14 e 2n= 16 em simpatria, nos estados da Bahia, São Paulo e Paraná.
Apesar das evidências citogenéticas (Yonenaga-Yassuda 1979) sugerirem que não haveria comprometimento reprodutivo nos indivíduos com 2n= 15 devido à observação de emparelhamento correto dos cromossomos e formação normal de gametas, cruzamentos experimentais (Nogueira-Massariol 2016) indicaram que esses indivíduos apresentam sucesso reprodutivo significativamente inferior às formas 2n=14 e 16.
Até hoje todos os estudos moleculares envolvendo A. cursor foram baseados em genes mitocondriais, o que restringe o acesso à informação genética da espécie à linhagem materna dos indivíduos, não sendo possível ter um panorama mais abrangente da história populacional da espécie (Geise et al. 2001; Fagundes e Nogueira 2007; Nogueira e Fagundes 2008, Nogueira-Massariol 2016).
Diante das evidências, um dos questionamento científicos se referem ao fato de se o baixo sucesso reprodutivo de indivíduos de 2n= 15 seria um indício de que está ocorrendo isolamento reprodutivo entre as linhagens 2n=14 e 2n= 16? Esse isolamento reprodutivo poderia ser um indicativo de processo de especiação em A. cursor? As evidências empíricas de isolamento reprodutivo poderiam também serem visualizadas em porções específicas no genoma de indivíduos dessas linhagens cromossômicas ou em algum aspecto morfológico tradicionalmente pouco investigado em estudos morfológicos?
Para abordar essas questões pretende-se utilizar as ferramentas de sequenciamento de nova geração, onde são geradas sequências de todo o DNA ou transcritos de RNA de um espécime e a partir dessa imensa massa de dados serem mapeadas as “ilhas de especiação”, que são uma analogia para descrever uma possível arquitetura genômica onde são identificados genes relacionados ao isolamento reprodutivo (Turner et al. 2005). Essas regiões indicam o local físico onde estão sendo acumuladas diferenças genéticas entre linhagens genéticas muito próximas (Nadeau et al. 2012; Seehausen et al. 2014; Schumer et al. 2015), o que parece ser a situação de A. cursor: linhagens genéticas intraespecíficas ou interespecíficas (caso esteja havendo um processo críptico de espeçiação). Recentemente os estudos envolvendo especiação são bastante vinculados à análises de genomas completos, sendo possível encontrar sinais de divergência muito mais refinados e com maior amplitude do que quando são sequenciados alguns poucos genes, nos quais as chances de se encontrar as “ilhas de divergência” são muito menores, dada sua grande dispersão no genoma.
Ainda, em uma abordagem multidisciplinar, pretende-se analisar aspectos da morfologia externa, craniometria, de anatomia de órgãos internos, anatomia de espermatozóides, histologia de tecidos reprodutivos, estrutura de pêlos e de anatomia de báculo das formas com 2n=14, 15 e 16, de ambos os clados, de modo a verificar a existência de caracteres morfológicos diagnósticos que possam ser utilizados para a diferenciação morfológica dentro dos grupos de A. cursor. Christoff (1997) já analisou dados craniométricos e não observou diferenciação entre as formas com 2n=14, 15 e 16. Porém, abordagens modernas envolvendo morfologia geométrica, histologia de gônadas, ultraestrutura de pelos podem trazer novas evidências para desvendar os primórdios do processo de distinção morfológica em um grupo com processo de especiação insipiente.

Starting date: 2013-03-01
Deadline (months): 72

Participants:

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Collaborator * Marcela Ferreira Paes
Collaborator * Cristina Dornelas de Andrade Nogueira Massariol
Collaborator * Juliana Castro Monteiro Pirovani
Collaborator * Roberta Paresque
Coordinator * Valéria Fagundes

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