Estágios iniciais de divergência em um roedor neotropical com marcante variação genética e cromossômica
Nome: FERNANDA COUTO ZAIDAN
Tipo: Tese de doutorado
Data de publicação: 12/12/2019
Orientador:
Nome | Papel |
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Valéria Fagundes | Orientador |
Banca:
Nome | Papel |
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Ana Carolina Capellini Rigoni | Suplente Externo |
Celso Oliveira Azevedo | Examinador Interno |
JOÃO FILIPE RIVA TONINI | Examinador Externo |
Roberta Paresque | Examinador Interno |
Valéria Fagundes | Orientador |
Yatiyo Yonenaga-Yassuda | Examinador Externo |
Yuri Luiz Reis Leite | Examinador Interno |
Resumo: Akodon cursor é uma espécie de roedor terrestre endêmica da Mata Atlântica Brasileira, com ampla ocorrência, sendo comumente encontrado em áreas abertas e antropizadas desde a Paraíba no norte até o Paraná no sul. Essa espécie vem sendo estudada desde a década de 70 e passou por diversas alterações taxonômicas até que se conhecesse toda a sua diversidade cariotípica e geográfica. Uma importante característica desse roedor é apresentar grande variação cromossômica, com três numeros diplóides, 2n= 14, 15 e 16 e número de braços autossômicos de 18 a 26, o que faz com que a espécie tenha quase 30 cariótipos descritos. Além da ampla variação cromossômica, observa-se estruturação da diversidade genética da espécie em dois grandes agrupamentos principais (norte e sul), que coincidem com o rio Jequitinhonha, no leste do Brasil. Devido a sua ampla distribuição, variaçāo macro e microestruturais do DNA e por ser uma espécie jovem
(possivelmente com menos de 2 milhões de anos), fazem de A. cursor um excelente modelo para se investigar o papel relativo da geografia e das variantes genômicas estruturais (i.e. cromossomos) nos estágios iniciais de especiação. Nessa tese foram feitas coletas em duas populações ao norte e uma ao sul da distribuição da espécie, o que permitiu a realização de mais de 400 cruzamentos experimentais, que geraram mais de 500 descendentes, que foram analisados citogeneticamente e parte da amostra teve a fertilidade estimada por meio de análises histológicas. Além disso, foram feitas pela primeira vez análises genômicas de mais de 10.000 SNPs de A. cursor, A. montensis e
híbridos naturais interespecíficos. O Capítulo 1 foi dedicado a apresentar um panorama da espécie por meio da integraçao de dados genômicos obtidos pela metodologia de ddRAD sequencing, aliados à informações citogenéticas e de distribuiçao geográfica da espécie. No Capítulo 2 foi dada ênfase em estimativas de fertilidade com relação aos diferentes cariótipos e níveis de isolamento geográfico entre populações. No Capítulo 1 foi observado que a geografia é preponderante na distribuição genética de A. cursor,recuperando os clados norte e sul, com representantes dos três cariótipos em ambas as regiões. Além disso, sugiro que mais precisamente a região da nascente do rio Jequitinhonha seja a responsável pela quebra filogeogáfica de A. cursor, uma vez que
houve ali atividade geológica recente que sobrepõe com o possível período em que A. cursor divergiu nas duas linhagens principais. Os cariótipos parecem ter surgido mais de uma vez durante a evolução da espécie, pois cada cariótipo não compartilha um ancestral comum mais recente. Isso tem implicações nas teorias de evolução cariotípica da espécie e da possível região de sua origem, que acreditamos ser na região central do Brasil e não ao sul, como se pensava. Os dados mostraram que em uma população do norte na Bahia, onde indivíduos dos três cariótipos estão em simpatria, indivíduos de 2n= 14 formam um
clado sem sinais de mistura com o clado 2n= 15 + 2n= 16. O heterocariótipo 2n= 15 é um cariótipo com rearranjos dos pares 1 e 3 em heterozigose e o 2n= 14 apresenta esse rearranjo em homozigose. Portanto, pensava-se que os indivíduos 2n= 15 seriam fruto de mistura entre 2n= 14 e 2n= 16. No entanto, os dados do presente estudo mostraram que, pelo menos nessa população, o 2n= 15 é uma variação de 2n= 16. Esses dados levantaram a possibilidade de que haveria isolamento reprodutivo entre linhagens cariotípicas de A. cursor. No Capítulo 2 pudemos refutar essa ideia, por meio de cruzamentos experimentais entre as formas 2n= 14 e 2n= 16 da população da Bahia, que intercruzou e gerou prole viável (porém subfértil), indicando que potencialmente não há isolamento pós-zigótico entre indivíduos desses cariótipos Dessa forma sugerimos que possa estar ocorrendo reforço nessa população, com aumento de barrerias pré-zigóticas devido a um
possível contato secundário das linhagens 2n= 14 e 2n= 15+16. Além disso, pudemos estimar taxas de sucesso reprodutivo (SR) e tamanho médio de ninhadas (TN) dos cruzamentos entre homocariótipos 2n=14 x 2n= 14 e 2n= 16 x 2n=16, servindo como referências para a espécie. Cruzamentos entre casais de cariótipo 2n= 15 da população da Bahia apresentaram taxas significativamente inferiores de SR em relaçao aos
homocariótipos, mas foi recuperado um elevado SR quando 2n= 15 foi retrocruzado com os homocariótipos, sendo esse possivelmente o principal mecanismo em que a forma 2n=15 é mantida na natureza. Os cruzamentos entre indivíduos de uma mesma população e de populações adjacentes (mesmo que pertencentes à clados distintos) indicaram não
haver isolamento reprodutivo completo entre as linhagens norte e sul, talvez pela recenticidade do processo geológico que gerou esse padrão genético. No entanto, os cruzamentos entre indivíduos de populações distantes geograficamente e alopátricas (Espírito Santo e Pernambuco, distantes mais de 2 mil km) geraram prole 2n= 15 (15NS) que se mostrou estéril tanto em cruzamentos como em retrocruzamentos. Esses resultados evidenciaram que o isolamento geográfico pode estar levando à incompatibilidades genéticas entre as linhagens dos extremos da distribuição da espécie. A esterilidade observada foi corroborada pelas análises histológicas, que mostraram que os machos de 15NS nao apresentam lúmen nos túbulos seminíferos e nem espermatozoides, assim
como híbridos interespecíficos entre A. cursor e A. montensis. Dessa forma, pudemos verificar que A. cursor estaria em uma situação análoga a de uma espécie em anel, uma vez que as populações adjacentes têm potencial de intercruzamento, porém representantes das extremidades da distribuição se mostraram incompatíveis. Integrando-se os resultados
de genômica e de estimativas de fertilidade entre populações, tem-se um cenário em que existem linhagens norte e sul de A. cursor, que não estão associadas a cariótipos específicos, e que formam híbridos estéreis quando são intercruzadas as linhagens do extremo da distribuição. Esse roedor apresenta características de uma espécie biológica, mas apresenta sinais de estar nos estágios iniciais de divergência. Não é possível prever se a evolução caminhará para que essas linhagens se tornem espécies biológicas distintas. Com muito poucos trabalhos utilizando essas abordagens integrativas, o presente estudo se mostra inovador e contribui para o conhecimento evolutivo, mostrando que a geografia é o palco principal para os diferentes cariótipos de A. cursor surgirem e interagirem.
Palavras-chave: Akodon cursor, especiaçāo, cromossomos, cruzamentos experimentais, genômica, linhagens